O porto de Cardiff foi no século XIX e princípios do XX o principal
exportador de carvão do mundo. Agora a capital do País de Gales, como
tantas outras cidades britânicas, vê sair algo mais negro que o carvão:
jovens radicalizados a caminho da Síria e do Iraque para se juntarem aos
terroristas do autodenominado Estado Islâmico (EI).
É o caso de Reyaad Khan, de 20 anos, cujo passado de
estudante exemplar e de jovem moderado e integrado na sociedade - dizia
aos amigos que iria ser o primeiro chefe de Governo britânico de
ascendência asiática - nunca faria desconfiar que descambasse num
fundamentalista que 'tuita' imagens de decapitações e as comenta como se
se tratasse da maior banalidade.
Também de Cardiff foram para o Médio Oriente os irmãos Nasser e Aseel
Muthana, de 20 e 17 anos. O primeiro trocou o curso de Medicina pela
ilusão do califado e deu a cara por um vídeo de promoção e de
recrutamento do ainda então denominado ISIL. “Tu precisas de lutar por
Alá. Sacrifica-te por Alá, a cura para a depressão é a jihad” ou “Vais
morrer de qualquer modo” são algumas das tiradas de Nasser, agora
conhecido como Abu Muthana al-Yemeni.
A falta de riqueza argumentativa do vídeo não travou a popularidade
do grupo, pelo menos antes da decapitação do jornalista James Foley. O
EI explora com habilidade as redes sociais. No Twitter conseguiu
campanhas com milhares de apoiantes. O número de muçulmanos britânicos
que aderiram ao grupo extremista é equivalente ao que presta serviço
militar: pelo menos 500 estarão na Síria e no Iraque, uns 600 no
exército britânico.
Mas tão ou mais preocupante que a ida dos recrutas é o regresso. Só
na região de Londres estarão uns 200 jihadistas, aponta o chefe da
Scotland Yard Bernard Hogan-Howe. “É um privilégio ter um passaporte,
ser cidadão britânico. E se uma pessoa vai lutar para outro país em nome
de outros, isso dá uma ideia do sítio onde quer estar”, disse,
defendendo que as leis sejam alteradas e que os combatentes percam o
passaporte.
No total, estima-se que o EI tenha nas suas fileiras entre 2 mil e 4
mil europeus. O outro país da União Europeia que mais alimenta o
“cancro” a que Barack Obama alude é a França. Em Janeiro, o Presidente
François Hollande mostrou-se “inquieto” com o número de franceses e
estrangeiros - 700 - que tinham partido de território gaulês para a
Síria.
Se no Reino Unido o recrutamento e a radicalização dos jovens se faz
em mesquitas como em Cardiff (o pai dos irmãos Nasser e Aseel veio a
público dizer que nos últimos tempos os jovens tinham mudado de mesquita
e deixado crescer a barba e não faltam imagens na internet a documentar
o desfraldar da bandeira negra do agora EI naquela cidade), em França a
propaganda fez-se sobretudo através das redes sociais, como está
documentado no livro Les Français Jihadistes, de David Thomson.
Mas há mais ocidentais de arma em punho. Nas últimas horas foi
noticiada a morte de dois norte-americanos (John McCain e outro não
identificado) numa batalha do EI contra os rebeldes ditos moderados.
Culto apocalíptico, rede terrorista e cartel
O Estado Islâmico financia-se através do rapto de europeus (franceses
em primeiro lugar), através de apoios não expressos de Estados do Golfo
- o Qatar rejeitou as acusações de um político alemão de que patrocina o
EI -, com o contrabando de crude e com dinheiro saqueado do Banco
Central do Iraque em Mossul.
Nascido após o desmembramento do regime iraquiano, ganhou nova força
com o fim de outra ditadura que não dava tréguas aos islamistas - a
Líbia de Kadhafi - e com a guerra civil na Síria, outra ditadura
secular. Onde falhou a implantação de democracias, floresceu o
extremismo.
Como questiona no britânico Guardian o escritor Peter Gray, o que é o
EI? Um culto milenarista violento, um Estado totalitário, uma rede
terrorista ou um cartel criminoso? “A resposta é nenhuma delas e todas”.
Fonte: http://bit.ly/VZsko0
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